Música.
Geralmente é o que falta em CDs de guitarristas virtuosos, sobram solos, riffs e tudo muitas vezes pode vir envolto em uma excelente produção, o que não basta para livrar certas obras do côncavo do empoeiramento, seja nas estantes, ou do abandono virtual nas plataformas de streaming.
Mas aqui não estamos meramente lidando com um disco de um guitarrista virtuoso qualquer, mas sim falando de Renan Lourenço, um cara que estuda música com afinco, e coloca seu instrumento principal para jogar para a música. O excelente album instrumental "Inception" (2021), está recebendo grande repercussão ao redor do globo, e não é para menos, com toda certeza. O album se inicia com um riff de tirar o fôlego, com uma pegada Hard/Heavy/Fusion sensacional, que logo segue com um belíssimo solo de guitarra, que esbanja dinâmica e personalidade, mas fique tranquilo, que não é nada que ira permear a canção inteira, a propósito, estamos falando da faixa de abertura "Mother Nature", que se já não bastasse também a excelente linha de bateria, e a presença de um baixo (por enquanto) discreto, porém funcional, somos surpreendidos com um exímio solo de teclado, que é fantástico e ficou bem encaixado, e foi executado e criado por ninguém menos que Derek Sherinian (aquele mesmo que tocou com Dream Theater, Kiss, Alice Cooper e o mundo todo), que claro, como sempre surpreende com bom gosto e personalidade ímpar. A bateria do som soa pesada e marca bem algumas quebras apresentadas na música, que dão espaço para mais solos sensacionais de Renan, que não chafurda o seu trabalho na guitarra, e logo percebemos isso, quando o som cai para uma parte mais calma...onde o baixo aparece agora sem vergonha alguma, ao lado de uma linha de guitarra que soa muito bem como uma espécie de linha vocal, e como o próprio Renan Lourenço disse na entrevista que nos concedeu: "A voz também funciona como um instrumento", então a partir do momento que você tem isso em mente, já esquece a questão do preconceito em cima de um "trabalho instrumental" e começa a entender, que com voz ou não, os instrumentos "cantam" igualmente. Para finalizar a "Mother Nature", Renan ataca notas agudas, com bom gosto e encerra a composição com delicioso solo com a presença de "wha".
O riff da faixa subsequente, intitulada "Dirty Channel", (incrivelmente) pode te remeter a extinta banda norte americana Pantera, e sim, você não leu errado, mas o que vai dar um nó na cabeça do ouvinte, é que todo esse peso descomunal descamba harmoniosamente para um Blues de tirar o fôlego. Daqueles em 6/8 e tudo, "marcadão", com uma cozinha sensacional, um piano elétrico que dá aquele charme "blueseiro", e um solo que (não tão) de longe lembra algo como "Shine on Your Crasy Diamond" do Floyd, em uma pegada que vai de Gilmour até outros mestres, e logo (acostume-se a surpresas em "Inception") chega uma gaita, dando aquele tom "malandro" para esse poderoso som, e que timbre de gaita muito bem registrado, diga-se de passagem! Entre uma batalha amistosa de solos de gaita, guitarra e baixo, o som segue destilando docemente um elixir para os ouvidos, quando de repente, temos novamente (o nosso tão amado) peso de volta, com riffs pra lá de pesados, e um solo incrível, com (inicialmente) a presença de terças menores, e depois sabe-se lá qual a harmonia utilizada por Renan (risos), mas que soou bacana demais, isso é sem dúvida fato. O final do som, no quesito rítmico, destoa (maravilhosamente bem) do resto, e traz um compasso com um clima mais pulsante, quebrado e acelerado. E se você é adepto de Heavy Metal, Blues e um bom Rock/Metal Progressivo, vai estar, assim como eu, extremamente satisfeito com o que está ouvindo a essas alturas.
A complexa peça "Faca Sem Ponta Não Fere Ninguém", feita para (violão de) nylon, é uma incrível amálgama entre teores brasileiros, flamencos, com um gostinho de chorinho (sim), e algo que vai fazer os fãs do guitarrista Steve Howe (solo, Yes, Asia) soltarem um "opa!". Essa é uma canção que aqui posso discorrer pouco sobre, pois se trata de um webzine de Rock, e não algo voltado aos músicos em específico, então deixo a recomendação para ambos os leitores, músicos ou não, apreciarem por conta própria. Apesar dos diversos "sabores" que o som nos proporciona, a faixa me trouxe majoritariamente até a mente os britânicos do Yes, e da obra de seu já supracitado guitarrista. Essa faixa é um excelente complemento para o album, e foi encaixada num excelente momento.
Em "La Inspiracion" a guitarra literalmente canta a melodia da canção, com uma linha de baixo que não apenas faz a "cama" mas complementa o som. E logo nos deparamos com o violino de Débora de Paula, também expressando as harmonias principais da canção, que após uma quebra, abrem-se alas para um belo solo de guitarra, e a faixa segue caminhando entre ritmos e andamentos, com a presença do violão nylon novamente, dando um teor suave e extremamente bem vindo para o som, aliás, que bela execução e timbre de nylon, meus amigos, que segue ao som desfilando com classe. "La Inspiracion" possui mais mudanças de andamento, e é uma faixa de tirar o fôlego. A canção começou calminha, mas se prepare, pois aqui você vai encontrar peso e guitarras encorpadas, tão presentes em riffs, quanto em solos. O som conta com a participação também de, Wander Lourenço, nas guitarras. Como disse outrora, a progressão da faixa é fenomenal, e não deixe se enganar pela calmaria inicial, pois aqui os fãs de Eddie Van Halen (R.I.P.), Steve Lukather (Toto, Michael Jackson, solo), entre outros nessa linha, vão se sentir deleitados.
Falando em Van Halen, apertem os cintos e se preparem para decolar em "Pandemia"! Com um início matador ao estilo do mais famoso guitar hero da história, Renan chega com os dois pés, ou melhor, com os dois braços e mãos, atacando um solo irretocável. O som segue numa linha Heavy Metal com os bumbos (ou pedais) duplos rolando soltos, e uma linha de guitarra cantando a melodia do som, e seguem-se "overdubs" de guitarra com quintas e terças bem presentes, dando um peso e personalidade descomunal ao som, soando (talvez propositalmente) de maneira caótica, e isso mal chegamos ao primeiro minuto do som! A canção segue com solos que trazem muita técnica, alguns efeitos e timbres deslumbrantes (como disse outrora, não vou ficar especificando muito sobre questões técnicas, por ser um webzine de Rock e não de guitarra em si), para em seu meio apresentar uma quebra no pique mais acelerado, mas não para descambar em algo mais calmo, a "quebra" por si só que me refiro, é um adendo inteligente, quase como um "breakdown", como bandas mais pesadas fazem, só que se como fosse executado por uma banda de Heavy Metal, e meus amigos, vocês imaginam como isso soa bem? Só ouvindo mesmo para entender! E agora é hora da guitarra cantar mais uma vez. É impressionante como o solo de Edu Ardanuy (ex-Dr.Sin, solo) se encaixa com a cama instrumental criada, e como, mediante tanta virtuose (inteligente), o baixo e a bateria ainda conseguem dar as caras e harmonizar com as atrozes guitarras desses dois monstros do instrumento. Temos a repetição, com algumas alterações daquelas partes com as ditas terças e quintas, que soam paradoxalmente desarmônicas, digo paradoxalmente, pois está tudo em ordem com as melodias ali, mas a impressão deixada mesmo, é algo quase caótico (mas não confuso, não confundam - risos), e o retorno do tempo mais rápido nos deixa claro que essa parte em específico funciona como uma espécie de refrão, e carimba o som "Pandemia" com seu tom técnico, complexo e novamente, caótico (no bom sentido, como dito antes). Destaco aqui também a mudança de andamento e os riffs finais do som, que colocaram a "cereja no bolo"! Essa composição sem dúvidas é uma de minhas favoritas!
Continuando no faixa a faixa do "Inception": "Influence" entra com um andamento em 6/8 acelerado e gostoso, com riffs sensacionais, muito bem compostos, e imagino que para executa-los deve-se ser uma tarefa hercúlea. Temos um muito "bem sacado" solo de órgão logo mais no som, dando aquela arrefecida e equilibrando o disco, coisa que só quem sabe o que está fazendo consegue aplicar, até porque no momento que o solo entra, devido ao timbre do órgão, a nuance dos médios/agudos da guitarra ficam nítidos, e se percebe o timbre, a pegada e o poder que Renan emana empunhando seu instrumento, seja em bases, riffs ou solos. É interessante destacar o trabalho de harmonias que o baixo faz quando a faixa cai para o blues, inclusive, a cozinha nesse som é fantástica num sentido geral. Após partes intrincadas extremamente complexas, temos a repetição do fantástico riff inicial, que entoa uma espécie de refrão para o som, e como se já não estivesse bom por aí, o som, após uma inteligente passagem, nos leva para viajar ao balanço do 4/4, que para quem não é tão acostumado com termos musicais, seria uma mudança um pouco abrupta na levada. E o que se segue é um "boogie" com tantas nuances, arranjos, e que ao fim nos deleita com uma inteligentíssima quebra de tempo, que inclusive não ouço em discos instrumentais há muito tempo!
Mas a surpresa não termina por aí, pois o disco "Inception" ainda tem muito a nos oferecer! Em "Real Life Dream" encontrei a minha faixa favorita do disco. A canção que começa tímida, ao nylon, nos traz novamente o delicioso som do acordeon, ambos iniciam a bela introdução, com tonalidades tensas, nos dizendo que há mais por vir, e realmente há, e muito! Uma portentosa melodia de guitarra dá uma continuidade inesperada ao som, que aliás, segue com uma cozinha que faz uma excelente cama para a bela harmonia que segue junto com o acordeon, criando uma excelente e inovadora sonoridade, e a mistura do timbre dos dois instrumentos soa muito bem, pode parecer blasfêmia para alguns, mas não há nada de regionalismo aqui, não que se houvesse seria algo ruim, mas são só dois instrumentos dialogando ao um excelente tema melódico. De repente, mas respeitando o tema da canção, um groove roqueiro chega "comendo solto", e temos um dueto magnífico entre guitarra e baixo, e então o acordeon mostra ao que veio em um solo magnífico. Fica difícil até dissecar aqui o restante da música, pois eu poderia ficar por dezenas de minutos e até horas discorrendo sobre, mas deixo a dica aqui...uma canção imperdível, que termina como começou, com a doçura do nylon. Novamente digo, minha favorita!
E então a roqueira faixa título chega quebrando tudo! Aqui temos um Renan Lourenço extremamente inspirado e que continua a nos dar uma aula de como se fazer um Rock com peso e bom gosto, destilando excelentes riffs e bases, além de solos de arrepiar. Essa canção aqui é para deixar queixos caídos, como se o disco já não tivesse feito isso até aqui...após o poderoso Hard/Heavy, somos surpreendidos por um clima "jazzístico", ou melhor dizendo, é o fusion que aparece escancaradamente, com melodias e harmonias deliciosas, para depois termos novamente o tema inicial presente. Não há muito o que se falar, mas a há muito o que se ouvir nessa faixa. É para curtir e apreciar sem moderação alguma. Excelente canção título, e que demonstra muito bem o que trabalho se propões a nos brindar - ou seja - Hard/Heavy/Jazz/Fusion e diversos outros elementos, tanto implícitos como explícitos. A essas alturas você deve estar imaginando que eu não tenho mais o que dizer, ou que perdi a inspiração para falar mais sobre o album, mas não, o "Inception" é assim, dá pra se falar muito, algumas coisas é só ouvindo mesmo para entender, e fica complicado de explicar.
É então momento encerrarmos nossa jornada com a peça em nylon "Tão Perto, Tão Longe"...apresentando uma melodia que com classe, parece que nos dá um "até breve" deliciosamente melancólico, como o comecinho de um outono, e que nos deixa uma sensação boa, de satisfação. Não há muito mais para se falar, como eu disse há pouco, apesar de eu já ter é "falado" muito (risos), mas uma obra como "Inception" não merecia menos!
Para ficha técnica, disco e mais detalhes vou deixar um link abaixo.
Fica aquele parabéns ao nosso querido Renan Lourenço, e a todos envolvidos!
Comprem, ouçam, compartilhem. Aqui temos o que de melhor o Rock instrumental tem a oferecer, e você que chegou até aqui não vai se arrepender de adquirir o material ou de colocar "Inception" para tocar. Nota 10!
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